Câmara aprova em dois turnos a PEC 45, que altera parcialmente o sistema tributário brasileiro. A reforma tem avanços importantes, mas também ausências, limites e alguns “jabutis” que precisam ser tirados. Confira a posição editorial do Esquerda Online.
Havia grande expectativa na aprovação da Reforma Tributária, afinal, propostas que previam mudanças no sistema tributário brasileiro já existiam há quase três décadas no parlamento brasileiro, mas nunca chegaram a avançar significativamente. Neste sentido, o que foi feito agora tem um grande significado na esfera política, não é um fato menor.
Do ponto de vista dos interesses da maioria do povo brasileiro, a atual reforma possui pontos positivos importantes, mas também existem limites e problemas. A principal contradição foi a manutenção da ideia de dividir a Reforma Tributária em duas partes, adiando para um segundo momento a discussão acerca das mudanças nos impostos sobre a renda.
Esta divisão em duas partes adiou, por exemplo, a possibilidade de finalmente se regulamentar o único imposto previsto na Constituição que nunca foi regulamentado pelo parlamento brasileiro: o imposto sobre as grandes fortunas. Além disso, perdeu-se por enquanto a oportunidade de avançar na ampliação da progressividade dos impostos sobre a renda e na discussão sobre a criação de um imposto que taxe lucros e dividendos.
A ausência da aprovação de propostas que sobretaxam as grandes fortunas e os lucros exorbitantes é, sem dúvida nenhuma, a grande contradição desta Reforma Tributária. Portanto, é preciso reconhecer os pontos positivos, mas também marcar esta importante limitação. Felizmente, na proposta aprovada ontem, ficou determinado que o governo federal terá 180 dias para enviar ao parlamento a proposta da segunda parte da reforma tributária. Portanto agora começa a luta principal, será preciso um amplo debate público retomando a ideia que venceu nas urnas: que o pobre entre no orçamento e o rico no imposto de renda!
Portanto agora começa a luta principal, será preciso um amplo debate público retomando a ideia que venceu nas urnas: que o pobre entre no orçamento e o rico no imposto de renda!
Pontos positivos e alguns problemas
Entretanto, na proposta aprovada ontem, existem vários pontos positivos, ainda que parciais, que justificam que a maioria dos parlamentares da esquerda tenham aprovado a PEC 45, incluindo a maioria dos deputados federais do PSOL.
Entre eles, pode-se destacar: o fim da cobrança de impostos em produtos da cesta básica, as embarcações (iates) e aeronaves (jatinhos) passam a pagar IPVA; o mesmo IPVA passa a ser mais progressivo, com descontos maiores para veículos que poluem menos o meio ambiente; se amplia a possibilidade de aumentar progressivamente a alíquota dos impostos sobre grandes heranças e “doações”; criou-se a possibilidade de devolver parte dos impostos cobrados aos consumidores com rendas mais baixas (cashback); dificulta a guerra fiscal entre os Estados; e diminui impostos sobre transporte público e atividades culturais.
Além, é claro, uma simplificação dos impostos sobre o consumo, o que não é ruim. Afinal, a proposta substitui cinco impostos existentes atualmente (três federais – IPI, PIS e Cofins; um estadual – ICMS e um municipal – ISS) por um imposto de valor agregado, com divisão da receita apurada entre União, Estados e Municípios. Tudo isso, com uma longa regra de transição, de sete anos, que começa só em 2026.
Mas há também problemas na reforma aprovada, que foram colocados por pressão do agronegócio e de outros setores empresariais. A bancada ruralista embutiu a desoneração sobre produtos e itens que estão fora do escopo da cesta básica. Os bancos conseguiram impor um regime especial para a tributação do setor. A saúde e a educação privadas também ganharam benefícios tributários injustificáveis. Não houve, por outro lado, benefícios explícitos para a agriculta familiar e a produção de alimentos saudáveis.
Enfim, há evidentes avanços na reforma, mas também limites e problemas. Sobre os pontos negativos, é fundamental que haja pressão social e política para que Senado retire esses “jabutis” colocados pelas forças reacionárias.
PSOL do lado certo, mais uma vez
Os avanços contidos na proposta de Reforma Tributária, mesmo que parciais, abriram a possibilidade da bancada do PSOL indicar o voto a favor da PEC 45. A situação aqui foi distinta do que vivemos, recentemente, com a proposta de Arcabouço Fiscal, que foi uma medida essencialmente reacionária, que o PSOL combateu e toda a sua bancada votou contra.
Mas o PSOL não apenas votou a favor. Vários parlamentares do PSOL demonstraram os limites da proposta, falaram sobre o erro da divisão em duas partes, que deixa para outro momento a questão dos impostos sobre grandes fortunas, lucros e dividendos. O partido fez um destaque (só era permitido ao partido fazer um), que ainda será debatido, e trata da busca de ampliar a cobrança de impostos sobre agrotóxicos também, entre outros pontos.
A maioria da bancada (dez deputadas e deputados) votou a favor da proposta, com todas estas diferenciações necessárias; outros três parlamentares optaram pela abstenção. A divisão da bancada é ruim, especialmente neste momento, mas de conjunto a maioria da bancada do PSOL cumpriu seu papel de apoiar as medidas que vão no sentido de atender os interesses do povo, mas sempre apontando as contradições e limites das iniciativas, seja do governo seja do parlamento.
A divisão da bancada é ruim, especialmente neste momento, mas de conjunto a maioria da bancada do PSOL cumpriu seu papel de apoiar as medidas que vão no sentido de atender os interesses do povo, mas sempre apontando as contradições e limites das iniciativas, seja do governo seja do parlamento.
Especialmente, o PSOL alertou que o mais importante será a garantia de que realmente exista a segunda parte da Reforma Tributária.
Luta pela segunda fase da Reforma Tributária
Mais do que comemorar os pontos positivos e criticar os negativos, a principal tarefa em relação à Reforma Tributária é lutar pela efetiva realização de sua segunda fase, onde será possível avançar em uma série de propostas acumuladas pela esquerda e os movimentos sociais nos últimos anos. Especialmente, a regulamentação do imposto sobre as grandes fortunas, a ampliação da progressividade dos impostos sobre a renda e a criação de um imposto sobre lucros e dividendos.
Mas para conquistarmos estas e outras propostas mais avançadas, será necessário muita cobrança, organização e mobilização. Seja para que o governo já inclua essas propostas na iniciativa do Executivo no prazo de 180 dias, seja para efetivamente aprová-las no Congresso Nacional.
O grande peso da extrema direita e da direita no congresso é um enorme obstáculo para aprovação dessas medidas fundamentais para que o sistema tributário brasileiro realmente combata todas as injustiças e desigualdades existentes hoje. Apostar apenas em negociações com o centrão no interior do parlamento dificilmente trará vitórias significativas numa possível segunda parte da reforma.
Lula precisa assumir a dianteira do convencimento popular e da mobilização social para a aprovação da segunda e mais importante parte da reforma tributária, que não pode tardar.
Por isso, uma postura meramente contemplativa ou comemorativa é um erro. O fundamental agora é se preparar para estas e outras batalhas futuras. Precisamos, nestes 180 dias, ampliar as discussões, a organização e a mobilização popular para garantir a cobrança progressiva de impostos sobre os super ricos e os grandes empresários, uma receita fundamental para garantir os investimentos sociais que melhorem a vida da maioria do povo. Lula precisa assumir a dianteira do convencimento popular e da mobilização social para a aprovação da segunda e mais importante parte da reforma tributária, que não pode tardar.
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